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O Preço da "Crise"

Estamos conscientes da gravidade da situação económica em Angola. Mas já não estamos disponíveis para ouvir que todos os males de que padecemos se devem à baixa do preço do petróleo, pois isto não iliba a culpa da ineficácia de muitos investimentos, consultorias dispensáveis, prestação medíocre de serviços e corrupção durante os nossos anos dourados. Há que assumir que o preço da crise tem outros padrastos que não são apenas a guerra ou a conjuntura internacional, para que o Executivo deixe de fazer a ridícula figura de nos considerar acéfalos.

A força de trabalho é a única ferramenta que o povo tem para cuidar de si. E é um eficaz factor de crescimento quando o salário consegue ser competente para garantir a supressão das necessidades básicas. O nosso problema é que estamos a assistir a um aumento da pobreza também entre os empregados que estão com dificuldades para suportar o elevado custo de renda de casa, educação dos filhos, energia, saúde e alimentação.

"O Fundo Monetário Internacional (FMI) recomendou ao Governo melhor ajustamento da massa salarial no sector público em função do novo cenário económico de crise que o País vive, face à baixa do preço do barril de petróleo". Fomos informados de que esta massa salarial tem que ser reduzida ao longo do tempo (in Rede Angola e Agência Lusa).

Ao ler esta notícia, obviamente fiquei triste por constatar a injustiça com que estas organizações olham para as economias em detrimento das pessoas. Não seria o caso do FMI recomendar ao Governo angolano que fizesse um exaustivo inventário do "despesismo imoral" em vez de mandar baixar os salários ou despedir funcionários públicos? Por várias razões, a análise nacional aceita que a erradicação da nossa pobreza nunca acontecerá antes de 2030 e ainda assim é necessário rever os mecanismos de constrangimento.

O Executivo, através do MINARS, reconheceu, este ano, que o índice de pobreza aumentou em 2015, com um aumento visível de crianças na rua e de cidadãos na mendicidade. Isso obriga o Executivo a encontrar outras medidas para dirimir o problema, sem ter que passar apenas pela total asfixia da economia.

É exaustiva a lista de lugares onde se pode poupar muito dinheiro. Vou dar apenas alguns exemplos. O exagerado número de Organizações que beneficiam do Estatuto de Utilidade Pública. Sobre estas organizações, não sabemos qual é o impacto na vida da população, nem temos informação sobre a avaliação de prestação de contas, apesar do dinheiro ser público.

A maioria destas organizações cuja "utilidade" se esgota em acções de apoio "espontâneo" ao Executivo, em detrimento de outras que foram preteridas deste benefício e que trabalham com eficácia comprovada, em muitos sítios onde a acção do Executivo não tem qualquer presença, sendo dois bons exemplos oferecidos pela ADRA e pela Associação de Cegos de Angola.

Outra despesa imoral em tempo de crise é o pagamento das férias dos Ilustres Deputados, que têm direito a duas viagens por ano, em primeira classe, incluindo o cônjuge e filhos menores para qualquer destino, face aos cerca 10 mil USD de Salário (incluindo todos os subsídios) o que me parece um verdadeiro gozo para com os funcionários públicos que os elegeram e que trabalham todos os dias e cujo salário mínimo é de uma miséria verdadeiramente franciscana. Os senhores deputados que quiserem ir de férias que as suportem do seu próprio bolso, como faz o comum dos cidadãos eleitores.

Mais uma despesa inaceitável reside nas centenas de cocktails anuais que são consumidos após cada reunião de trabalho nos Ministérios, não me refiro a um simples café com uma sandes. Falo de cocktails com direito a Menu Gourmet e bebidas alcoólicas de precioso custo.

Refiro-me também à quantidade de viagens, pagas pelo Estado, que Directores Nacionais, Chefes de Departamento, Ministros e Secretários de Estado, fazem todos os anos. Acho que há altos funcionários das nossas instituições que passam mais tempo no estrangeiro do que no seu gabinete.

Nunca vi tanta viagem junta para tão pouca produtividade e inovação! Podemos ainda reduzir a despesa, olhando para os investimentos que continuam a não fazer sentido, sobretudo numa altura em que o povo está a travar ferro com ferro. Fomos informados que se vão instalar câmaras de vigilância na rua, num país onde a luz é intermitente, onde a manutenção é ineficaz e onde tudo custa o dobro, pergunto isto é uma prioridade? Mas ao mesmo temos não temos investimento no ensino especial. Somos confrontados com a informação de que o Estado faz parcerias público privadas com Centros Comerciais e Empreendimentos de Diversão e temos que achar isto normal? Uma parceria público privada pressupõe um investimento num domínio estratégico. Será estratégico, neste momento, "divertir" o povo?

A Agricultura que devia ser o principal emprego da população rural, sobretudo a mais desprovida de recursos, tem sido ao longo dos anos amaldiçoada pelo OGE, cuja dotação vergonhosa deve-se, se calhar, ao facto da maioria dos bens alimentares que comemos serem importados por empresas cuja sociedade está resguardada com cargos de elevada estatura e a quem ninguém se opõe. África tem demasiados pendentes que precisa de resolver com urgência, para não estar sempre a ter que se apoiar nas teorias da conspiração. De acordo com o Relatório Social do CEIC, no continente africano todos os anos "desaparecem" 50 mil milhões de USD, em fugas de capital, que servem para incrementar as economias de outros países, comprando propriedades, empresas e fortalecendo o emprego. 

O CEIC estima que em Angola, no período 2001-2010, a fuga de capitais se tenha situado entre  483 milhões de USD a 2,5 mil milhões por ano. Se este dinheiro regressasse para Angola faria toda a diferença, numa altura de penúria como a que estamos a viver.

Não se pode imputar o preço da "crise" aos trabalhadores ou aos mais pobres, sob pena de matarmos a confiança nas instituições. Este preço tem que ser assumido com honestidade alterando padrões de governação que não podem continuar a impor-nos que a Teoria da Acumulação Primitiva de Capital deve ser uma recompensa, pois é o povo todo que tem que ser recompensado com uma qualidade de vida que permita que seja tratado como cidadão e não como "pedra no sapato" de governos que não os incluem em nenhum tipo de acumulação positiva! Se temos que fazer sacrifícios que sejam em igualdade de circunstâncias, governantes e governados, em nome da Pátria.

in http://agora.co.ao/Agora/Artigo/60205

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