blog2



EU SOU A PAZ!

Hoje participei nos "DIÁLOGOS EM FAMÍLIA" da Fundação Dr. António Agostinho Neto. Muito me Honra o convite e transcrevo na íntegra a minha comunicação.

FUNDAÇÃO  DR. ANTÓNIO AGOSTINHO NETO

DIÁLOGOS EM FAMÍLIA

(CONTINUANDO A RECONCILIAÇÃO NACIONAL)

EU SOU A PAZ!

A PROMOÇÃO DE UMA CULTURA DE PAZ

POR: ALEXANDRA DE VICTÓRIA PEREIRA SIMEÃO

29/05/2014

Boa tarde,

Excelentíssima Senhora Presidente

da Fundação Dr. António Agostinho Neto

Sra. Dª. Maria Eugénia Neto

Distintos Convidados e Participantes

Minhas Senhoras e meus Senhores

Poderia começar por enumerar autores e livros que falam sobre a paz, a sua promoção e as melhores práticas já aplaudidas como eficazes sintomas de implementação de culturas de paz, um pouco por todo o mundo. Mas estas seriam certezas de outros se calhar bem enquadradas para um formato de palestra em ambiente académico, mas que aqui seriam encaradas apenas como um mero enumerar de factos sem que nos conseguíssemos com eles identificar.

Também poderia recorrer a Leis e Declarações Internacionais sobre a Paz apadrinhadas por países e Instituições Internacionais, tendo em conta a gestão pós-conflito, sobretudo relativamente a todos aqueles que ocorreram durante o século XX. Mas mais uma vez ficaríamos perante um discurso formal, que em nada traduziria a nossa realidade e ficaria fora do formato idealizado para um diálogo que se pretende que seja em família. Porque o que faz uma família é pensar em voz alta, é dar a sua opinião com base numa realidade que seja aferida por todos, construída por via de uma cuidada observação e que pretende ser tão isenta quanto justa, pois só desta forma fará sentido que nos pronunciemos.

O meu principal objectivo, hoje, é lançar o desafio para pensarmos em conjunto sobre a definição de PAZ. Gostaria de começar por reclamar um significado verdadeiro de  Paz. Paz não é o Fim de um Conflito, não é a imagem de uma pomba branca, não é a elaboração de um Tratado. Estas podem ser as imagens que servem para exemplificar simbolicamente a paz mas não a traduzem, nem a materializam, porque são absolutamente estéreis quando pretendemos extrapola-las para a definição de um conceito genuíno de paz.

Falar da promoção de uma cultura de paz num país como o nosso faz todo o sentido e constitui o cerne da questão. Como estabelecer a paz se não existir uma intenção nacional e formal que promova uma cultura de paz? Este será, por suposto, o nosso maior desafio se quisermos ir para além da paz militar.

Na salvaguarda dos interesses da paz em Angola, a definição de paz tem que pressupor sustentabilidade, garantida pela justiça e pela igualdade de todos perante as mesmas oportunidades. Pois é nesta paz que os cidadãos se devem rever e ter acesso aos mecanismos que permitam usufruir dos recursos necessários para terem uma vida digna, com acesso a uma educação e saúde de qualidade e a uma certeza de liberdade que lhes permitirá existir sem medo. É aqui que nasce o sentimento de segurança humana. Porque a paz que surge do medo é sempre temporária, como nos mostra a História. É preciso utilizar o dinheiro de forma mais racional para que os angolanos mais pobres atinjam esta certeza de segurança humana. Mas para que isto aconteça é preciso desencadear acções consequentes. A mudança de mentalidade e de status exige acção concertada, para que a paz seja entendida como um beneficio para todos ela tem que se constituir como uma prioridade diária e em todas as nossas acções.

E aqui gostaria de fazer uma paragem e introduzir um elemento novo: a ausência de um orgulho genuinamente nacional.

Em quase 39 anos de Independência a nossa história está marcada por desencontros, ausência de diálogo, intolerância, morte, uma guerra interminável, oportunismo, sabotagens e uma sequência de factos, em alguns casos muito mal contados, pois apenas representa uma versão dos factos. Aliado a tudo isto assistimos, após a Independência ao enfraquecimento de um orgulho genuinamente nacional. E o quer isto dizer? Quer dizer que deixamos de ser angolanos, deixamos de acreditar na força do patriotismo, deixamos de salvaguardar a nossa angolanidade, a nossa integridade enquanto angolanos individualmente considerados. Isto torna-se indesmentível quando constatamos que primeiro nós somos do MPLA ou da UNITA, depois somos Católicos ou 7º Dia, depois somos do Petro ou do 1º de Agosto, depois somos do norte ou do sul, depois somos mulatos ou negros ou brancos e só no fim somos angolanos. Mas no meio deste enorme desencontro nunca defendemos dentro do país uma única causa que se fosse universal, que fosse de todos. É claro que muitas vezes isto só não acontece porque entre nós tudo é demasiado politizado, tudo tem que ser enquadrado dentro do parâmetro do elogio e das benesses e raramente em nome apenas da causa. A causa tem que ser ela por si um factor de união sem partido, sem credo, sem raça, apenas no interesse da maioria dos cidadãos angolanos.

ENTÃO O QUE É A PAZ?

Como já dissemos PAZ Não é apenas o fim do conflito armado

É o Respeito pela vida.

A Paz é um comportamento

É a adesão humana ao respeito pelos princípios da Liberdade, Justiça, Igualdade, Solidariedade.

A paz exige ainda que se estabeleça uma relação de harmonia entre a Humanidade e o meio ambiente.

A paz tem que ser construída na mente dos homens.

No nosso país calaram-se as armas de guerra, mas surgiram outras armas que são inimigas da paz. O sofrimento provocado pela desigualdade entre os muito ricos e os muito pobres que são a maioria da população. A fraca competência do progresso social nacional face ao crescimento do PIB que Angola apresenta neste momento, que se traduz num desenvolvimento social medíocre e sem garantias para os mais desfavorecidos.

A salvaguarda dos interesses da juventude eleitora, que tem opinião, ambições, expectativas e desafios está, de facto a ser atendida de forma abrangente e inclusiva? Os direitos dos cidadãos decorrentes da constitucionalidade dos deveres do Estado estão a ser respeitados? Como é que eu posso ter paz se não tenho emprego, se não tenho uma certidão de nascimento, se não sou respeitado enquanto antigo combatente e veterano de guerra fora do quadro de alguma festividade? Como é que eu posso sem estar a mentir assumir uma cidadania responsável se sou perseguido por pensar diferente, se sou excluído no acesso ao emprego e se não consigo sequer pagar por uma saúde de qualidade.

A Paz é definitivamente um processo. Não é um mecanismo instantâneo e definitivo. Tem que ser monitorado, avaliado, melhorado a cada etapa. Tem que ser implementado com critérios de rigor e que prevejam que sejam dirimidas as dúvidas e os conflitos pessoais. Não podemos usar a Paz como um mecanismo de arremesso, quando consideramos que de forma conveniente vamos amedrontar as pessoas com o monstro da guerra que alguém poderá ressuscitar.

Muitos países cometeram o mesmo erro que nós estamos a cometer, considerando que um Tratado de Paz e a recolha das armas nas mãos dos populares seria suficiente para fazer nascer a paz. Mas não foram bem sucedidos aqueles que não olharam mais além. O papel dos Governos do pós-guerra é vital para o fortalecimento ou para o descrédito da paz. É preciso que haja coerência, que existam exemplos de boas práticas para que o processo de reconstrução nacional não se transforme numa galinha dos ovos de ouro que apenas vai beneficiar uma minoria. A Paz exige Justiça. Sem Justiça social a paz não se alicerça.

A Paz só se pode tornar efectiva no coração e nas acções dos cidadãos se as pessoas acreditarem no futuro e forem chamadas a participar de forma clara neste projecto. Se os cidadãos não vislumbrarem um projecto de futuro não conseguirão imaginar este mesmo futuro porque a sua condição de vida não permite ser optimista. As pessoas apenas colaboram quando existe uma plataforma de entendimento que é protegida pelo primado do Direito e onde seja respeitado o pluralismo de opiniões. Os cidadãos têm que acreditar que o tempo é de paz. Tudo deve traduzir esta intenção. Um dos handicaps da nossa paz é também a incapacidade de terem sido alterados os nossos símbolos nacionais. Os símbolos nacionais devem representar todos os cidadãos, a pluralidade cultural e a diversidade política. No nosso caso faz ainda mais sentido. Depois de estabelecido o acordo de paz do Luena, era imperativo encontrar símbolos que identificassem um novo caminho, uma nova linguagem, uma união nacional e um significado plausível de reconciliação.

Temos assistido a um desempenho vergonhoso da comunicação pública e de alguma imprensa privada. Os órgãos de comunicação públicos, são os que maior relevo devem desempenhar na Educação e Promoção de uma Cultura de Paz. Mas entre nós o que assistimos quase todos os dias é ao desenterrar de um passado que todos julgávamos morte ao abrigo do Acordo do Luena, mas qua afinal volta e meia surge para abanar os machados da guerra de forma vulgar. O Jornal de Angola nas últimas semanas teve a coragem de associar o rapto do grupo Boko Haram com os raptos feitos pela UNITA durante a guerra. Apenas a título de exemplo. Uma UNITA que agora é urbana, tem assento no Parlamento, não tem qualquer capacidade lógica de regressar a um teatro de guerra mas ainda assim o JA todos os dias insiste nesta tecla. Será isto a promoção institucional de uma cultura de paz? Por outro lado a própria UNITA que deve ter um comportamento urbano e responsável utiliza a Rádio Despertar, que não é uma rádio partidária, mas sim uma Rádio comercial para atacar de forma primária e deselegante os dirigentes do MPLA. Será esta uma forma de resposta inteligente e promotora de paz, por parte do maior partido da oposição? Como construir a paz num ambiente de permanente hostilidade? Como olhar para o actual adversário político como um parceiro se eu o trato como um criminoso? Será que a guerra em Angola apenas tem um lado que errou? Isto não faz qualquer sentido. Estamos lentamente a caminhar para uma nação desconfiada e órfã de um sentimento de confiança. Eu sou independente e por isso não posso aceitar este tipo de comportamento de uns e de outros como estando certos e sejam exemplos a seguir. Angola vive no passado em todos os sentidos. É urgente que consigamos defender um futuro que seja construído hoje e que inclua um compromisso com a paz.

Por outro lado, é comum ouvirmos alguns responsáveis políticos falarem da nossa democracia como um imposição do ocidente. Defendem que África tem uma Idiossincrasia que não permite colagens de realidades políticas exteriores. Até podemos observar este conceito com alguma curiosidade. Mas a questão que se coloca é que África não inventou nenhum conceito com o qual se identificasse e protegesse deste modo os limites das suas necessidades. E desta forma permanecemos em cima do muro: para as questões económicas somos ocidentalizados e reafirmamos compromissos que são considerados capitalistas, mas para as questões de justiça social, de redistribuição equitativa da riqueza os valores ocidentais são uma invasão à nossa privacidade. O nosso problema é que não temos nenhum PLANO. África na generalidade e na realidade não tem um Plano Africano que preveja com rigor científico e como um imperativo nacional onde queremos estar daqui a 50 anos e Angola não é excepção. Nós assinamos compromissos mas nunca conseguimos cumprir as metas destes mesmos compromissos, veja-se os Objectivos do Milénium? Falhamos na linha de partida, quando afirmamos que seremos capazes nas actuais condições reverter o analfabetismo, a mortalidade infantil. Temos que criar expectativas honestas. Um país não pode viver em campanha eleitoral permanentemente. A paz exige rigor e honestidade, sem as quais cai no descrédito, porque em tempo de paz os desafios são muito mais exigentes e são fáceis de ser fiscalizados e não há ónus da culpa para atribuir a terceiros em caso de falha.

Deixo aqui algumas considerações que me parecem fundamentais:

1º É necessário desenvolver um paradigma para a instauração da Paz, se é isso mesmo que todos queremos, porque com o actual quadro não vamos lá.

2º É preciso que este programa preveja medidas efectivas e eficazes que saia do parâmetro meramente assistencialista e preveja metodologias de cooperação com a Educação, com a Ciência, Cultura e Comunicação Social.

3º É imperativo estabelecer um Programa de Paz que contemple:

  1. Uma nova concepção da Definição de Paz
    1. Uma cultura baseada nos valores universais, de respeito á vida, Liberdade, Justiça, Tolerância e Direitos Humanos.
    2. Ser exaustivo nos programas escolares em todo o sistema de ensino, sobre a Paz e os Direitos Humanos
    3. Transformar as ideias em acções práticas e mensuráveis.
 

A Paz não pode ser mantida à força. Ela decorre do compromisso pessoal estabelecido entre pessoas com os mesmos interesses e com o mesmo compromisso em relação à sua Pátria. A Paz só pode ser atingida e mantida por via do entendimento e não por via do sofrimento, da manipulação, das prisões arbitrárias, do impedimento ao Direito de Manifestação protegido pelo artigo 47º da nossa Constituição. A paz não depende do outro. Depende de nós. Cada um de nós pode ser ou não a Paz.

A PAZ SOU EU.

Bem hajam pela vossa preciosa atenção,

Muito Obrigada

 

Marcações: paz, Diálogos em Família, Fundação DR. AGOSTINHO NETO, princípios