Quem é que quer "o regresso à GUERRA"?

Eu acreditei sinceramente que o Acordo de Luena tinha levado a guerra para tão longe, que NUNCA mais iríamos sequer ouvir falar dela.
Acreditei que, depois daquele aperto do abraço, partilhado pelas chefias militares, o ódio fosse exorcizado e um novo dia começasse para uma nova Angola. E ainda hoje acredito que o efeito mais profundo deste acordo foi a transformação de inimigos de guerra em adversários políticos, pois só entre adversários podia existir uma convivência politicamente saudável, e a paz seria para sempre.
Hoje, devo confessar que estou seriamente preocupada com a irresponsabilidade com que qualquer um fala do retorno à guerra. Por dá cá aquela palha, é banalizado o recurso ao passado numa postura esquizofrénica que nos deixa a pensar que se calhar há um plano que nós, simples e dispensáveis cidadãos, desconhecemos na íntegra.
Lamento que seja possível ouvir o presidente de uma associação de carácter solidário, como foi o caso da AJAPRAZ, vir a terreiro amedrontar a população do Huambo com a possibilidade de um iminente retorno ao conflito armado, quando se encontrava numa missão humanitária e de solidariedade, que contou com o suporte institucional da TPA, tendo o apresentador reforçado a ideia com contributos tirados não sei de que cartola.
Amedrontar pessoas que sofreram danos irreversíveis por causa da guerra é uma maldade inqualificável. Lamento ouvir deputados, idóneos juristas, cuja responsabilidade é duplamente maior, por serem representantes eleitos pelo povo e homens de leis, que não são pagos para serem levianos nem para fazerem o papel de inquisidores, constantemente a defenderem que existem pessoas, grupos, partidos, forças ocultas, potências internacionais que estão interessados no retorno à guerra.
Tenho lido editoriais e entrevistas de vários angolanos, de quem esperava um pouco mais de ética e sabedoria, que tentam convencer os leitores de que a paz está ameaçada, porque existem maus angolanos, que estando ao serviço das trevas querem resgatar a guerra, tomar o poder legitimamente instituído pela força e devolver os angolanos para uma vida de morte e de sangue.
Tenho visto tudo isto e muito mais e penso de imediato que alguma coisa está errada nesta postura pela falta de lógica. Não entendo, por isso, quem é que realmente tem saudade da guerra? Será pelas razões de que ela podia ser a "razão" que desculpasse ou conseguisse disfarçar todo o incómodo das insuficiências governativas e das posturas que são responsáveis pelo atraso do nosso desenvolvimento, a exemplo da corrupção? Não ouvi falar do retorno à guerra no tempo das "vacas gordas" se calhar porque estavam demasiado ocupados a ordenhá-las.
De repente, por todas as frinchas, sótãos e becos se soltam gritos de guerra e se desenterram os machados. Sem pretender entender de estratégia de marketing, porque me faltam estudos para o efeito, devo, no entanto, confessar que estou surpreendida pela ausência de uma estratégia menos defeituosa. Tendo em conta este cenário o raciocínio lógico desatei a pensar em voz alta e deixo aqui algumas considerações, que me parecem, que podem ajudar a encontrar um ponto de equilíbrio para olhar para este mau momento de forma desassombrada e sem qualquer fim oculto. Em primeiro lugar, olhando para a nossa história, ninguém tem dúvidas de que não obstante o apoio que a UNITA teve durante muitos anos de várias frentes e a favorável conjuntura internacional durante os anos da guerra fria, não obstante a sua capacidade militar pelos meios bélicos que tinha e pelo número de soldados que nos mostraram no Acordo de Luena, para efeitos de desmobilização, nunca, repito, nunca conseguiram atingir o poder por esta via e foram derrotados em combate, certo?
Deixando de fora a UNITA que perdeu os meios, a conjuntura e os homens e mesmo que ousasse resgatá-los presumo que se daria muito mal porque os abandonou na mesa das negociações em Luena e hoje os seus soldados são "distintos miseráveis negociantes de carvão", a pergunta que se impõe é: Quem é que sobra para levar a cabo este empreendimento?
Num país que tem dois exércitos, pois não posso deixar olhar para a UGP, com todo respeito, como um verdadeiro exército, quando vejo que tem instalações físicas na maioria do território nacional, pelo número de efectivos e pelo seu financiamento, donde a soma dos dois (FAA e UGP) mais a FAN e a Marinha, daria para fazer a segurança de metade de África, seja pelo magnifico equipamento militar e de telecomunicações que possuem, seja pela mestria do seu treino considerado por muitos países como sendo um dos melhores exércitos do mundo, acrescendo a enorme experiência em combate.
Um país que tem uma polícia (que não obstante em algumas províncias a exemplo do Uíge existirem mais sobas que efectivos da Polícia Nacional de acordo com dados tornados públicos pelo director do MAT) que também está super bem treinada, que tem ao seu alcance meios para ser totalmente efectiva e operacional e que não hesita perante "nenhuma ordem superior", fazendo com que seja respeitada pela força que tem, tendo conseguido sempre, mesmo que não concorde com muitos dos seus métodos, manter a ordem pública, quem ousaria enfrentá-la?
Um país que tem excelentes relações comerciais com as principais democracias do mundo, que são aquelas que gostam de "inventar no país dos outros" quando "o negócio" corre mal, como foi o exemplo da Líbia, e depois vêm "construir" uma atitude de defesa dos direitos humanos, de onde poderia vir a conspiração internacional para o retorno à guerra?
Num país onde nenhum cidadão nacional ou turista pode, ao contrário de muitos países do mundo, sequer passear a pé em frente aos portões do Palácio ou tirar uma foto, quem é que estaria em condições efectivas para tentar uma guerra? Assim fica difícil podermos continuar a aceitar, que de ânimo leve, seja quem quer que seja venha "mandar bocas de retorno guerra", sob pena de considerarmos, pela repetição exaustiva desta informação, que a segurança nacional está a ficar ameaçada, e se isto não for urgentemente provado é crime.
Por isso a todos aqueles que estão neste registo de chamar a guerra a todo o instante, por mais que lhes tenha outorgado mandato para representarem (mal) o seu partido, peço, educadamente, que nos poupem da vossa irresponsabilidade, pois a única pessoa que tem Autoridade para informar o povo se estamos ou não em iminência de uma guerra é o Senhor Presidente da República que é também o Comandante em Chefe. É o POVO ELEITOR que mantém a PAZ por convicção. Por isso trabalha e desenvencilha-se, não obstante as dificuldades porque passa. Eu tenho a certeza que o Bom Povo jamais quererá voltar para o tempo da morte. É preciso que se entenda que não pensar da mesma forma não é a mesma coisa que querer a guerra. É ter opinião, é exercer a cidadania. Ainda temos condições de acertarmos o passo e regressarmos ao tempo do abraço de Luena, que significou um novo começo. Não percamos a oportunidade de sermos um futuro que faça sentido para os nossos filhos, todos os filhos sem cor, sem credo, sem filiação política e sem nome de família. Vamos lá sermos apenas angolanos, pela Pátria!
Marcações: povo