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Habemos Sonangol?

De repente, aquilo que acontecia de forma doméstica foi exposto ao público na confirmação da análise de um Relatório Interno, relacionado com o Resgate da Eficiência Empresarial, apresentado pelo presidente do Conselho de Administração da Sonangol, e que, misteriosamente, foi parar à imprensa. Neste documento, foram identificadas causas de constrangimento de gestão da mesma empresa e foi dada a informação de que, tendo em conta o "actual modelo de gestão" e sem a intervenção de uma estratégia, a petrolífera corria sérios riscos de uma falência técnica.

Esta notícia fez um ruído imenso em todas as latitudes, sobretudo num momento em que Angola atravessa um período mais do que crítico no que à sua viabilidade económica diga respeito.

Sem ter dado tempo suficiente para a sua digestão, eis que somos surpreendidos com uma posição pública do presidente da Sonangol, que ocorreu com direito a uma conferência de imprensa, desmentindo o cenário de "maledicência da opinião pública", prestando informações detalhadas sobre a saúde financeira da empresa. Sem pretender, de modo nenhum, desmentir o desmentido, fiquei com imensas dúvidas acerca do "actual modelo de gestão", o tal que estaria na origem dos enegrecidos constrangimentos.

Desde logo por causa do afastamento gradual do core business da empresa. Sendo a única empresa petrolífera nacional, faz todo o sentido que os seus principais investimentos ocorram naquilo que à pesquisa, produção, distribuição de tudo o que esteja relacionado com os hidrocarbonetos e seus derivados e de alguma forma, é aceitável e viável uma estreita conexão com o sector energético.

Mas coloco todas as dúvidas, e já tinha feito este comentário no Programa "Elas e o Mundo", quando olhamos hoje para uma Sonangol que pretende abarcar, sem ter para o efeito criado todas as condições prévias de viabilidade dos negócios, sectores como Saúde, Banca, Transporte Aéreo Comercial, Imobiliária, Telecomunicações sendo, talvez, por isso que a opinião sobre a prestação destes serviços e rentabilidade destas empresas deixa muito a desejar.

Mas a questão que me fez ter vontade de reflectir em público sobre a Sonangol tem a ver com o seu gordo Conselho de Administração e de Direcção, que se tornou numa teia de interesses ocultos e que serão estes que estão na base da polémica, mas verdadeira, constatação do deixamos de aprender a "saber fazer" e aprendemos a "contratar/subcontratar".

O actual modelo operacional da companhia caracteriza-se pela crescente dependência da Sonangol daquilo que chama "contribuição de terceiros para a geração de resultados" e ainda de encargos para terceiros, ou seja outsourcing de serviços do básico ao especializado.

Quer isto dizer, que mesmo que existam os recursos humanos dentro da empresa, o actual modelo de gestão permite a contratação de serviços e assessoria junto de empresas exteriores. Isto é suficiente para explicar a informação de que existem cerca de 10.000 funcionários para cerca de 4.000 assessores? Este não é um problema estritamente relacionado com a Sonangol.

Muitas das empresas públicas tornaram-se verdadeiros impérios onde uma gestão que não deve "obediências" tem imperado. Na maioria destas empresas a oportunidade de negócio é construída pelos administradores e directores, que criam empresas que depois são "contradas e subcontradas" pela empresa mãe, muitas vezes com preços superiores aos de mercado, sem qualquer respeito pela regra que rege os Concursos Públicos e sem que vejamos as entidades reguladores de todas as questões relacionadas com a Lei da Probidade e com o eficaz desempenho do dinheiro público engajadas em deslindar uma realidade que é comentada publicamente, tendo em conta que a nossa sociedade tem um grau de parentesco eficazmente capaz de saber quem é quem e o que é que faz na empresa onde está.

Parecendo tratar-se de uma análise simplista e de alguma forma sem qualquer novidade, encerra, no entanto, o cerne da questão. Onde é que fica o interesse estratégico das empresas públicas que são geridas com base em interesses privados? Qual é a garantia que estas empresas podem dar ao contribuinte, no que à sua robustez em todos os sentidos diga respeito se são geridas por uma infindável cadeia de empresas paralelas, normalmente tendo à frente os próprios filhos dos membros das suas direcções e num jogo de interesses que em nada beneficia a eficácia, nem o desenvolvimento do País?

Sendo considerada dentro e fora de Angola, como "um Estado dentro do Estado" a Sonangol conseguiu durante os últimos 10 anos manter uma aparência sorridente devido à bonança do sector. Mas com a situação actual deve estar a ficar cada vez mais difícil comportar todos os vícios da empresa que são "insustentáveis" e obrigam a uma reforma urgente, que no limite do meu entendimento até deveriam dar lugar a uma avaliação de responsabilidades, pois estamos a falar de uma empresa pública. De acordo com o Relatório Económico 2014 do Centro de Estudos e Investigação Científica (CEIC) da Universidade Católica de Angola, o sector petrolífero apresentará uma dinâmica anual de crescimento muito baixa entre 2014 e 2020, acrescentado que "se as reservas de petróleo forem suficientes para mais 20 anos, podemos estar, com os conhecimentos actuais, e sem considerar o sonho do pré-sal, num virtual desaparecimento deste sector da economia nacional".

A questão que se coloca, neste momento, prende-se com o facto de termos uma informação que não nos coloca em nenhum lugar de conforto, tendo em conta que temos uma economia que não se conseguiu diversificar, devido a constantes tiros no pé de todas as estratégias e ao mesmo tempo dependemos deste sector como do oxigénio para garantir estabilidade a todos os níveis e ao mesmo tempo vemos a Sonangol a ser ultrapassada no que à participação e gestão da nova refinaria do Ambriz diz respeito, em comunicado por si emitido, o que não se compreende tendo em conta que não faz qualquer sentido a sua ausência.

Parece-me que perante a situação previamente apresentada pelo "Relatório da Eficiência" da Sonangol e a Conferência de Imprensa feita pelo PCA da Sonangol, há um conjunto de contradições que precisam de ser esclarecidas. Sobretudo porque podemos estar perante uma tentativa de anular o nosso sentido crítico perante uma realidade que os mais atentos não estranharão, porque faz tempo que as discrepâncias eram demonstrativas da insustentabilidade do "modelo de gestão" autorizado durante anos.

A outra questão que fica por esclarecer é perceber como é que o Relatório Interno, relacionado com o Resgate da Eficiência Empresarial "deixa de existir" e se passa a fazer referência a "certos artigos de opinião" que terão dado informações que não correspondem a nenhum dos actuais cenários da empresa que estão longe de qualquer tipo de falência. Não obstante tudo dar a entender que houve uma fuga de informação tendo em conta que o referido relatório foi analisado em sede reservada apenas a um grupo restrito de funcionários, o assunto ganha ainda mais relevo pois presume-se que alguém está verdadeiramente empenhado em desmontar algumas "verdades" sobre a real situação da Sonangol.

Perante assuntos desta natureza, vitais à nossa estabilidade não é crível que da mesma entidade saiam dois discursos, diametralmente, opostos. O futuro da solvência das nossas empresas públicas passa, sem dúvida, pela necessidade de serem sujeitas a avaliações mais apertadas e que sejam demonstrativas da sua verdadeira condição.

É igualmente imperativo que todos os gestores públicos destas empresas sejam alvo de apertada vigilância, pois muitos dos factos deixam sérias dúvidas à eficiência dos mecanismos de fiscalização das entidades. Não podemos esperar que o Estado esteja constantemente a apagar os fogos provocados por factores que colidem com os interesses públicos e que permitem verdadeiros buracos negros na gestão de muitas destas empresas. Infelizmente o muro que separa o interesse público dos vários e intricados interesses privados em Angola constitui um novelo de longas conexões e demasiados segredos.

Mas se somos chamados a fazer um sério esforço para entender as falências de algumas estratégias nacionais e ao mesmo tempo se apela a que num momento de séria ponderação possamos dar as mãos e esquecer algumas diferenças que deixaram de nos unir, não o poderemos fazer sem ao menos existir a decência e a honestidade de nos dizerem olhos nos olhos o que de facto se passa.

 

in http://agora.co.ao/Agora/Artigo/59368

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