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Entrevista Rede Angola

Alexandra Simeão

A analista sócio-política traça o panorama do país.

Apesar da suspensão recente do programa de debates na rádio “Elas e o Mundo”, emitido pela LAC, os interessados nas opiniões da ex-vice-ministra da Educação, activista e comentadora sócio-política Alexandra Simeão podem encontrar um conteúdo similar no website da analista, que contém um podcast denominado “Sim Angola”. É neste espaço que Alexandra, a pedido dos seus ouvintes, continua a dar o seu contributo na discussão dos principais temas da actualidade, em crónicas de áudio semanais.

Trata-se de, como diz a analista, um projecto experimental, mas que denota a vontade de se expressar, dizer o que pensa, defender o que acredita, ser útil, exercer cidadania, praticar a solidariedade e chamar a atenção para os aspectos que não correm bem na sociedade e sugerir mudanças. É uma tradição familiar, uma vez que além do destaque claro do seu percurso, é mister relembrar que Alexandra é filha única de Anália de Victória Pereira, antiga política, fundadora e presidente do extinto Partido Liberal Democrático (PLD), a primeira angolana a concorrer à Presidência da República, em 1992.

Nascida em Luanda, em 1966, Alexandra Simeão viveu 21 anos na Europa depois de 1975. Licenciou-se em Estudos Artísticos (Literatura e Arte), o que abriu os caminhos para que, paralelamente à sua passagem pelo governo, enveredasse por um projecto literário, o romance Kalucinga, publicado no ano passado após 15 anos de trabalho. Casada e mãe de três rapazes, actualmente coordena a Campanha de Sensibilização para a Anemia Falciforme em Angola e promove acções de solidariedade e cidadania. Prevê publicar este ano o seu segundo livro, ou “atrevimento”, como denomina, que já está pronto. Para fechar este mês da mulher, Alexandra Simeão fala ao Rede Angola de todos estes projectos nos quais está envolvida e, no meio de uma crise, comenta o estado actual do país nos seus mais diversos domínios.

“O século XXI exige uma escola nova, que inclua valores, ética e honra”.

Foi vice-ministra da Educação para a Acção Social, no âmbito do Governo de Unidade e Reconciliação Nacional (GURN), durante 12 anos. O que guarda na memória dessa fase da sua vida?

Foi uma fase positiva do ponto de vista da minha contribuição dentro do GURN, da forma como fui tratada por toda a gente; não tenho uma reclamação a fazer em termos de tratamento e convivência com todas as pessoas. Era uma dream team. Dávamo-nos mesmo bem.  O GURN foi criado em 1997 e integrou todos os partidos com assento no parlamento. Na altura, era responsável pelas relações internacionais do Partido Liberal Democrático (PLD) e congelei a minha posição política porque não acredito que se possa estar com o pé em dois sapatos. Eu não queria estar no governo e ao mesmo tempo desenvolver uma actividade partidária activa, é algo que não funciona do meu ponto de vista. Foi um momento de muita felicidade, sobretudo pela possibilidade de fazer coisas que ainda hoje são úteis, embora tenham outra roupagem. É o caso do programa Merenda Escolar. Não faz sentido que um projecto deste tipo esteja integrado num programa de combate à pobreza, porque foi criado como instrumento de combate ao insucesso escolar, com o objectivo de termos a estrutura para uma escola atractiva.

De lá para cá, sente melhorias neste sector? Como o avalia? Quais as prioridades?

Eu, neste momento, estou absolutamente descrente do actual sistema de educação do mundo. No tempo dos nossos avós, a escola para além de instruir também educava, o que são duas coisas diferentes. A educação tem a ver com os valores e é isso que eu acho que temos de resgatar, para “construir” o cidadão desde a infância. Ele não tem de olhar pela primeira vez para a Constituição da República quando atinge os 21 anos e entra para a universidade, e sim na escola primária, para perceber desde pequeno que o exercício da cidadania confere direitos e deveres.

Porquê?

As pessoas pensam que só temos direitos, mas também temos imensos deveres. As crianças na escola não aprendem arte, a viver com ela e valorizar a sua importância. No nosso caso, é preciso fazer da escola a instituição social mais importante do país. Temos de olhar para o mundo actual e verificar as questões sociais e tentar percebê-las. Agir de forma preventiva para evitar que condutas não aceitáveis se pronunciem na vida adulta. O século XXI exige uma escola nova, mais abrangente, que inclua valores, ética, cidadania, honra.

E porque isso não acontece?

Nós estamos mais preocupados com o betão do que com a qualidade do professor, do programa educativo, e sobretudo, mais importante do que isso, com a actualidade do programa. Será que os programas educativos que o mundo tem hoje estão de acordo com aquilo que é uma criança com três anos, que já pega no iPad da mãe? O mundo mudou. A informação é muito rápida. Há que dar passos qualitativos para ir ao encontro destes miúdos, desta nova forma de estar na vida.

O Ministério da Educação, por onde passou, tem esta avaliação?

O actual Ministro da Educação (Mpinda Simão) foi a melhor pessoa que conheci neste país em termos humanos. Tem plena consciência do que é preciso. Agora não se faz omelete para 20 pessoas com um ovo. O orçamento tem de ser completamente diferente, para demonstrar a importância do sector na sociedade.

No Orçamento Geral do Estado (OGE) há uma redução das verbas destinadas ao sector social, em especial na Educação. Quais as suas expectativas para este ano?

O Estado tem que definir metas, e estas metas têm de ser cumpridas. Onde quero estar em 2050? O que temos visto aqui em Angola é que todos os anos são criadas comissões para tudo e depois não vemos relatórios com os resultados, nem qualquer mais-valia. Vamos tentar ser mais objectivos! Há zonas que não podem constantemente ser alteradas. As coisas ou param, ou recuam, ou não avançam. A grande premissa devia ser analisar a questão da incoerência na atribuição da prioridade dos sectores no OGE. Temos, por exemplo, no sector social: educação, saúde, assistência, reformas, antigos combatentes, subsídios aos combustíveis, a terceira idade, a infância, há um mundo inteiro incluído neste grande chapéu de chuva que é o sector social. A maior parte dos países africanos atribuem a isso um orçamento superior a 10 por cento, e muitos deles não têm petróleo. E nós nunca chegamos lá.

A analista promete para este ano o seu segundo livro.

A analista promete para este ano o seu segundo livro.

“O Estado tem de ser capaz de explicar às pessoas o que se passa com essa crise”.

Já agora, de que forma encara a actual crise?

Todos os anos ouvimos nos discursos a necessidade de criar a diversificação da economia. O problema é que ela não foi criada, e continuamos confortavelmente a viver da noção que somos um país rico porque temos petróleo. Mas importamos tudo o que comemos. Temos mar e estamos a importar sal da Namíbia, Portugal, Alemanha. Do pouco que produzimos aqui, a matéria prima é importada. As nossas fábricas são meias fábricas e estamos a investir milhões em biodiesel. Se, de repente, ficarmos sem petróleo, não teremos comida, porque não produzimos e dependemos, do ponto de vista externo, das coisas mais absurdas.

Como avalia a postura do governo diante desta crise?

Neste momento, estamos a ser bombardeados com informações não oficiais. Vem um e diz que não há crise, o outro colega ao lado diz que estamos num ano em que temos de ter parcimónia e, depois, vem um outro e diz que não. O Estado tem de tomar uma atitude pública, tem de ser capaz de explicar às pessoas o que é que se passa, quais são as perspectivas, com clareza.  A baixa do petróleo só está a destapar que nós não produzimos nada. À excepção do petróleo, o que é que nós produzimos que seja significativo? Qualquer país tem que ter a sua própria sustentabilidade alimentar.

frase alexandra simeao1A política continua a ser uma das suas grandes paixões? Pretende retomar a carreira?

Continua, mas com muitas reticências. Em 2008, as eleições para nós já não foram felizes. Aqui devo ressaltar que durante alguns anos houve, pelo menos da minha parte e até da minha mãe em vida, um reconhecimento, um mea culpa no sentido de que naquele tempo em que nós passamos de 1992 até 2008 sem eleições, os partidos mais pequenos quase que se auto-extinguiram em termos de capacidade de movimentação, inovação e visibilidade. Eu acho que as pessoas, o PLD também, acomodaram-se um bocado, mas presumo que seja o que aconteceu em muitos outros partidos. A isso, somam-se questões pessoais. Quando se é filha única e se perde o pai e a mãe (Anália de Victória Pereira morreu em 2009), perdemos as duas asas e a pessoa fica completamente à toa. Eu quase que me recolhi e fui fazer outras coisas, apesar de ser constantemente incentivada a formar um novo partido político depois da extinção do PLD. Do ponto de vista da ética, era muito mais importante dar um espaço de cidadania e deixar as pessoas perceberem se eu valho ou não alguma coisa, para quando um dia eu me apresentar elas possam tomar uma decisão.

E porque não o fez?

Não está fora do plano activar uma carreira política. É uma coisa que penso todos os dias com muito carinho, mas não acho que faça sentido apressar as coisas. Estou confortável com aquilo que faço, com as questões relacionadas com a solidariedade, e descobri a escrita, que é uma área que me está a dar imenso gosto. A possibilidade de fazer o programa na LAC abriu-me os horizontes para outras áreas, empurrou-me para uma rádio online, vou fazer emissões regulares de crónicas, comentários, ainda que isolados. É importante que hajam vozes que olhem para o panorama político, económico e social. No fundo tudo isto que eu faço, o exercício da cidadania, não deixa de ser política, mas numa vertente diferente e mais abrangente. Eu quero estar disponível, chamar a atenção e intervir independentemente do partido em questão. Ter a capacidade de ser imparcial. Se fosse criar um partido, estaria refém da minha instituição, teria que defender a minha rainha, e eu não quero limitar-me.

E estaria de algum lado, em especial?

Tenho alguma fobia de coisas que param no tempo, e o nosso modelo político em Angola está uma mesmice. Achei que a este nível não fazia diferença nenhuma fazer um partido político para agir igual aos outros. O acesso aos meios de comunicação enfrenta as dificuldades que conhecemos e depois também há a qualidade do pensamento. Conheço uma série de políticos e não sei o que é que eles pensam. Neste momento, estou com alguma dificuldade em saber em quem votar em 2017, gostava de ter uma convicção.

“Os meios de Comunicação Social podem alargar e fortalecer os direitos de cidadania”.

A analista não descarta um retorno à política

O retorno à política não está descartado

Como digeriu a suspensão do programa “Elas e o Mundo”?

Tive pena porque nós empenhámo-nos naquele programa, no sentido de comentar com rigor e responsabilidade, dando uma outra visão à notícia. Foi muito repentino. Houve uma pausa no programa, eu até nem estava em Luanda quando aconteceu, e depois no fim de Janeiro recebi a informação que a direcção da LAC tinha tomado a decisão de suspender o programa. Informei-os na altura que tornaria pública a decisão junto do vasto público que me segue nas redes sociais. São pessoas que sempre estiveram ao pé de mim, com críticas, incentivos, ajuda, orientação. Foram, de alguma forma, parte do sucesso, por isso, eu tinha a responsabilidade para com elas de anunciar o fim do programa.

Quando se fala em política, nota-se na maior parte das pessoas, principalmente nos jovens, um certo receio de contribuir com uma opinião. Por que é que isso acontece?

Cidadania só se exerce quando temos liberdade e vivemos num sistema que a restringe. Eu tenho falado com jovens brilhantes, que estão e continuarão a ser uma mais-valia nas profissões que exercem e nas instituições a que pertencem. Mas quando uma pessoa trabalha no banco A, ou na empresa X, a partir do momento em que torna pública uma opinião, que, eventualmente, pode ser contrária a de outrem importante, a vida desta pessoa muda. As pessoas têm opinião, mas muitas vezes não a tornam pública para não terem problemas. A liberdade é um sentimento que é muito mais profundo. É importante ter o direito à opinião, isto é constitucionalmente consagrado.

Neste aspecto a Comunicação Social poderia dar um grande suporte para reverter o actual quadro? Tem estado a usufruir devidamente do seu poder e utilidade?

Em qualquer país do mundo, a Comunicação Social tem um valor e um papel que é absolutamente estrondoso. Nós aqui em Angola não lhe damos este valor, e o sector nem sempre exerce o seu papel. Estou a falar do tal rigor em informar, da isenção e imparcialidade, a questão da necessidade constante do contraditório que é extraordinariamente importante. Esta componente do trabalho afecta um bocadinho mais o sector público do que o privado, mas é óbvio que não vamos estar à espera que a TPA diga a alguém para emitir opiniões. Quando olhamos para o painel de comentadores da Televisão Pública de Angola são sempre os mesmos, do mesmo lado, e repetem as mesmas coisas, andaram na mesma escola, vestem-se de forma igual. Dali não sai grande coisa.

frase alexandra simeao2A essa falta de pluralidade de pontos de vista não se pode creditar também o baixo número de veículos de informação?

É óbvio que estaríamos em melhores condições se, em vez de um jornal diário, tivéssemos dez; se a nossa imprensa pública escrita não estivesse na mão de um monopólio e não defendesse agendas; se qualquer pessoa tivesse a liberdade de chegar ao Ministério da Comunicação Social e pedir uma licença para uma rádio, seja comunitária, provincial, ou com cobertura nacional. Mas isso não é possível, o seu pedido vai ficar lá cinquenta mil anos. As pequenas rádios que vão aparecendo são satélites da Rádio Nacional de Angola. Vemos o poder que a Igreja Católica tem e em 20 anos, não obstante os pedidos, não conseguiu alargar a cobertura do seu sinal. E também há rádios que fazem mal uso da licença que têm, ainda que restringida.

A quem se refere, especificamente?

Isto entra na minha noção de imparcialidade. Se eu critico a RNA, também critico a Rádio Despertar. Aquilo não é jornalismo, já passou este tempo. É preciso ter uma rádio a falar para um povo inteiro, não para membros de um partido. Deve ter-se esta consciência e fazer as coisas com maior isenção, que se coadunem com a deontologia do jornalismo, os valores e a liberdade de imprensa.  De modo teórico e na prática, os meios de comunicação social são vitais num país, porque podem alargar e fortalecer os direitos de cidadania, se as pessoas tiverem espaço. Informação de qualidade é um direito. Quanto mais informados estivermos, mais capacidades teremos de ver quem é quem. Restringir não é o melhor remédio.

“Não posso aceitar um centro comercial em baixo da Fortaleza!”

Tendo a formação nesta área, podemos dizemos que a Alexandra é também uma mulher de cultura. Como avalia este sector?

Estamos a olhar para a descaracterização do nosso país na generalidade, e Luanda é um caso completamente confrangedor. Tenho medo que os meus netos acreditem que Luanda não tem história. Não posso aceitar um centro comercial em baixo da Fortaleza! Não posso aceitar que o nosso património histórico físico urbano esteja a ser destruído. Angola não é um Mónaco. Nós temos milhões de metros quadrados, é um país que vai de Lisboa à Bélgica. Precisamos estar a partir a história? O contributo, a responsabilidade para com a historia exige rigor por um lado e empenho em termos da valorização do próprio património. Estão a partir a Baixa, o Elinga. Chega! A vida não é só dinheiro.

Credita a responsabilidade por esta situação ao Ministério da Cultura?

O património histórico depende de quem? Se o Ministério da Cultura, infelizmente, está a ser obrigado a fechar os olhos, eu lamento. Temos arquitectos, engenheiros, homens de cultura, a sociedade civil a falar e ninguém nos ouve, e partem? E partiram o Kinaxixi, partem e partem todos os dias… O Ministério da Cultura pode não ser o culpado, tendo em conta a pressão que sofre. Aqui em Angola, qualquer pessoa com dinheiro pode qualquer coisa e não devia ser assim. O compromisso com a historia é uma questão séria. Qualquer angolano com dinheiro sai daqui para ir ver o Louvre (o mais famoso museu de Paris), ou o castelo não-sei-de-onde, tiramos fotos. Os nossos dirigentes também fazem isso e depois, no nosso próprio país, autorizam ou ficam de boca fechada e ninguém levanta uma voz sobre as questões de atentado ao património. Luanda é um exemplo flagrante, mas se calhar nos outros sítios pode ser maior, já que nós não estamos lá a ver e a informação tarda a chegar. Alguém tem de pôr cobro a isto, por uma questão de lógica e responsabilidade para com o país e a história.

Alexandra Simeão critica à falta de acção contra os atentados ao património

Alexandra Simeão critica a falta de acção contra os atentados ao património

Quais os grandes desafios para a mulher angolana nos dias de hoje?

A sua condição à partida já é um emprego. Tem que tratar da casa, dos filhos, ser mãe, ser esposa, mas hoje não estamos no mesmo sítio que há 50 anos. No mundo inteiro, as mulheres conquistaram espaços. Conseguimos vê-las nos sítios mais incríveis, que eram domínios só de homens. Estamos lá, com competência. Mas em diversos países existe uma grande diferença entre a qualidade de vida das mulheres e dos homens. Nos de África, por exemplo, este problema ainda se agudiza, porque há factores ligados à falta de uma educação de qualidade. O que se passa é que nós temos, infelizmente, uma boa parte significativa das mulheres em Angola que não tem um país, no sentido da segurança. O que vai ser destes milhares de mulheres que vendem na rua quando a idade já não lhes permitir trabalhar? Não tem uma segurança social, não vão ser beneficiadas com qualquer tipo de reforma que permita que elas tenham uma velhice com qualidade de vida.

Qual a área mais problemática?

Penso nas questões da saúde. Falta espaço nas unidades hospitalares, o que é dramático. Quantas vezes eu vejo mulheres a saírem da maternidade a pé, mal conseguem andar com as dores pós-parto. Depois, temos as questões relacionadas com a ausência da participação efectiva na questão da salvaguarda dos seus interesses. A violência doméstica, por exemplo. Muito já se fez, do ponto de vista da divulgação, e o facto de o Estado ter investido num programa de luta contra a violência doméstica deu visibilidade a essa questão. Criou-se inclusive uma lei que pune estes casos de violência. Felicito. Agora é preciso ir mais além, manter a visibilidade, verificar as questões da regulamentação e criar a protecção, um mecanismo mais célere, activo e funcional, que deveria ser accionado para o dia depois da queixa. Uma sociedade não se faz apenas com a gestão central do poder. Qualquer administração local e comunal tem de ser capaz de chegar até ao munícipe, que é contribuinte e eleitor.

Num nível pessoal, como concilia todas as responsabilidades que recaem sobre si?

Sou beneficiada porque tenho muita ajuda nas tarefas domésticas. Recebo todos os dias incentivos do meu esposo, familiares e amigos para continuar a ser como sou. A gestão é arranjar tempo para as coisas semstress. Eu jamais prescindi da minha condição de mãe, o que é crucial, porque isso diz respeito, sobretudo, ao conteúdo moral que quero deixar aos meus filhos. A minha maior alegria é olhar para trás e dizer: “Criei cidadãos com ética, com honra, fé, que acreditam que são solidários, generosos e humildes”. Dedico-me muito a esta questão, a educá-los e partilhar valores. Temos uma mesa aberta à hora do jantar e falamos de tudo sem tabus. E mostramos exemplos porque há no processo de construção da personalidade aspectos que não são negociáveis: o respeito perante os outros, as obrigações na escola e as regras em casa.

Qual o seu ponto de vista acerca da sociedade angolana, não do ponto de vista político, mas das pessoas, do lado humano?

Há duas condições que eu acho que hoje faltam à humanidade: a humildade e a generosidade. Nós hoje olhamos à nossa volta e tudo é feito com arrogância, prepotência. A humildade é como a água benta, mesmo por excesso não faz mal a ninguém é um pressuposto da educação, aquela que trazemos de casa. Todos os dias agradeço porque tudo o que eu sou devo aos meus pais e aos momentos da minha infância e adolescência.

E porque acha que isso acontece?

Isso vem da dureza da condição de vida das pessoas, ou de uma questão como o lidar com a morte, que é uma coisa constante. A aparência de insensibilidade não é por maldade. Temos problemas sérios na sociedade, desde o grau de pobreza e sobretudo as condições em que as pessoas ainda vivem. Esta ausência dos afectos, humildade e generosidade é tão grave e podia ser equiparado a um caso de saúde pública. É preciso olhar para as questões sociais não com olhos do economista, mas sim do sociólogo, do médico, da mãe, do pai. Falo dos que têm menos. Os que têm mais não têm o direito de não ser humildes, generosos, de não ter afectos, pois não lhes falta nada.

Por Alice da Cruz (texto), João Ana (vídeo), Ampe Rogério (fotos). 30.03.2015