Os culpados somos nós?

Somos culpados por sermos economicamente analfabetos e não conseguirmos entender as sábias palavras do senhor governador do BNA, quando fala da crise, que afinal "não estamos com ela", e informa-nos que "nem toda a procura de divisas é legítima", concluindo que, "quando tivermos procura legítima, não vai haver falta de divisas", disse em notícia saída no JA, durante a visita à FILDA, não obstante o acesso às moedas estrangeiras estar tipificado pelo próprio BNA e, por isso, não entendermos a 'ilicitude'.
Somos culpados por termos perdido a paciência para continuar a reconhecer que o lixo que inunda as nossas cidades, com particular atenção para Luanda, não decorre da falta de empenho dos Governos Provinciais, nem do facto do "lixo ser um excelente negócio", mas sim por se tratar de uma tarefa gigantesca que apenas 13 anos de paz ainda não houve tempo para encontrar a melhor solução, pelo facto dos "angolanos produzirem muito lixo" (como disse um responsável da Elisal) e por isso só os mal intencionados olham para este problema de forma crítica, ainda que os mesmos 13 anos tenham suficientes para criar uma elite milionária.
Somos culpados pelo fomento da corrupção a cada gasosa que damos ao polícia que nos manda parar na estrada porque viu a oportunidade para ir almoçar com o nosso dinheiro. Somos culpados a cada "fala bem amiguinho" com que sussurramos nas instituições públicas para que o nosso assunto ganhe asas e se liberte do excesso de zelo de uma burocracia jurássica e da intenção de alguns funcionários dificultarem para incrementarem o seu salário tendo em conta que em muitos sítios é urgente uma avaliação de competências do serviço e do funcionário ou agente.
Os culpados somos nós por não queremos ficar nas nossas aldeias e decidimos vir para a cidade grande por causa da sobrevivência, demonstrando uma manifesta falta de agradecimento pela visão estratégica do plano de desenvolvimento que está a acontecer de norte a sul, que só não é reconhecido por nós, pessoas desonestas. Se ficássemos lá na aldeia, porque a guerra já terminou, as cidades não teriam problemas. A culpa decorre desta "atitude de provocação" por parte dos cidadãos que "sem autorização" vêm construir de forma anárquica, "envergonhando o nosso governo quando chegam os turistas", como disse um ex governador de Luanda.
Admitimos a culpa de não compreendermos como é que um Estado que importa tudo se dá ao luxo de fazer uma Parceria Público Privada para a criação de um Centro Comercial e Parque de Diversões, inaugurado por SE Senhora Ministra do Comércio recentemente, orgulhosamente apresentado nos canais públicos como tendo uma Montanha Russa maior do que a portuguesa. Aliás a culpa de termos que importar também deve ser nossa por permitirmos que se atribua menos de 1% das receitas a este sector.
Mas como não temos agricultura, nem indústria então o Estado é "obrigado" a importar todas as nossas necessidades. Temos culpa pelo facto de não percebermos a diferença entre a liberdade que é dada a todas as manifestações de apoio e de júbilo que dispensam de qualquer intervenção do artigo 47º da Constituição e a negação para todos os que tenham uma opinião diferente e queiram, de igual forma pacífica, manifestar a sua indignação. Somos também culpados por PENSAR porque se mostrou um "acto preparatório" indigno que nos pode trazer sérios dissabores.
Somos culpados pela nossa postura que teima em "destruir a paz" a cada vez que escrevemos um livro que contrarie, um artigo que faça perguntas incómodas, uma entrevista que identifique os constrangimentos ou uma opinião sobre o estado real do país. Agora até somos culpados se lermos Pepetela! Somos culpados porque adoecemos e entupimos os hospitais públicos, porque se não fossemos "descuidados", se vivêssemos todos (só não vivemos porque não queremos dizem os "comentadores de serviço") em condições mínimas de salubridade e não em cima de fossas que correm em liberdade e bebêssemos apenas água engarrafada resolveríamos metade das maleitas e desta forma não colocaríamos em causa o sistema nacional de saúde que nos últimos anos tem visto decrescer a sua fatia no bolo do OGE numa relação directa à do crescimento da mortalidade e morbilidade.
Temos culpa sim quando queremos mais luz do que aquela que as nossas milionárias barragens nos podem dar. Culpa por sermos capazes de perceber que a luz no século XXI já não é um fenómeno. Que faz parte da realidade de qualquer economia que queira ser viável. Culpa por acreditarmos nos "Tudólogos" que argumentam que nos Estados Unidos ou em França a luz também não surgiu assim de repente, foram séculos até todos poderem carregar no interruptor e fazer com que esta acontecesse na casa de cada um. Culpa por não aceitar que um país que se orgulha de ser o segundo produtor de petróleo de áfrica tenha que importar combustível, num rentável negócio que ninguém fala, mas que deve ser reconhecido como um dos maiores inibidores de termos uma capacidade activa de sermos capazes de refinar o que produzimos, evitando o desperdício das nossas divisas. Reconhecemos a culpa de sermos jovens desempregados, frustrados e sem escolaridade e por isso estamos nas ruas de todas as cidades, vilas e aldeias a vender o que aparecer, a transportar o que for pesado porque as oportunidades não são iguais para todos à nascença. Somos culpados por lavar carros na via pública contribuindo, desta forma, para a "indesmentível destruição" do asfalto, única forma que temos para jantar todos os dias, porque somos economicamente inviáveis para qualquer outra regalia.
Somos, sem dúvida, culpados por passarmos 4 horas no trânsito a caminho do emprego para o qual nos levantámos de madrugada e no regresso termos que enfrentar o mesmo tormento. Culpados de querermos trabalhar mas, por morarmos cada vez mais longe, criamos constrangimentos que estão a ser considerados como um problema de saúde pública pela falência dos nossos nervos.
Somos a causa do facto de não terem sido criadas vias realistas (não me refiro àquela via expresso que não lhe atribuo sequer classificação) que perspectivassem o crescimento da cidade e garantissem a segurança e o conforto, afinal pagamos, porque somos obrigados, a taxa de circulação, mas recebemos sempre apenas meia nota. Reconheço a culpa de não sermos capazes de perceber que "não tem importância nenhuma" que um país que tem mar tenha que importar sal da Namíbia e de Portugal.
É de uma tremenda falta de sentido patriótico quando consideramos que há alguma coisa errada pelo facto da maioria fuba, principal alimento da população angolana, ser importada do Brasil, sobretudo num momento em que o sector recebe elogios internacionais pela sua "performance competitiva".
Somos culpados pela tentativa de alteração das boas relações com a China, quando não entendemos qual é o modelo e os limites desta cooperação, sem a qual, não teríamos tido reconstrução nacional, não obstante o reconhecimento da falência da qualidade da maioria das obras. E a nossa culpa vai ainda mais longe por não nos ser possível perceber como é que o chinês, em Angola, é zungueiro se não há vistos de trabalho para a zunga??? Os culpados somos nós que acartamos água de forma pública à cabeça, "apenas para denegrir" a imagem dos investimentos do Programa Água para Todos, que ainda é só "Programa Água para Alguns", pois no século XXI estarmos a mandar um satélite para o espaço e a fazer atravessar um cabo submarino pelo oceano atlântico para transmitir novelas brasileiras e ao mesmo tempo ainda se estarem a construir chafarizes é prova irrefutável da culpa de que não merecemos mais, pois as prioridades falam por si.
Somos culpados pelo facto do Acordo de Alvor ter corrido mal mesmo antes de ser elaborado, culpados por termos visto os sinais e não termos denunciado. Somos culpados por termos sido vítimas de uma guerra que não decidimos fazer, mas que decorreu do facto de dois movimentos reclamarem o direito de tomarem o poder pela força, sem que nenhum tenha tido por parte do povo um voto para nos representar. Somos culpados por não reclamarmos da oposição a apresentação de programas eleitorais que sejam capazes de nos surpreender, sem ser mostrar o lixo que já conhecemos e a falta de água que é crónica. Queremos ouvir, nas próximas eleições, a oposição falar da políti- ca monetária e cambial, do seu programa de Educação que se funde na importância da qualidade e formação dos professores, do comportamento da produção nacional, uma avaliação sobre o estado da despesa pública e de um plano realista para a diversificação da economia. Seremos culpados se aceitarmos ouvir o discurso acusatório sem qualquer mais valia por ser uma mesmice.
Somos culpados por acharmos normal que a nossa Democracia seja elástica. Que se adeqúe às "agendas pessoais". Somos culpados por não explicarmos aos nossos filhos que democracia não é apenas realizar eleições. Que em Democracia o compromisso com os mais pobres, enquanto garantia de igualdade no acesso a padrões decentes de cidadania, é um dos mais importantes pilares da democracia. Os culpados somos Nós por reclamarmos uma mudança mas não termos coragem para fazer parte dela. E mudança não é guerra, não é violência, não é colocar a paz em perigo. Mudança é exigir que os políticos se comportem apenas como servidores públicos e não como "Donos disto Tudo".
Os Culpados somos Nós os que amamos Angola e que a defendemos sem esperar nada em troca, aos olhos de todos aqueles que não aceitam viver na diferença e que se consideram como os arautos da razão. Nós os que não temos compromisso com o prejuízo de ninguém, que não pretendemos nada mais do que a salvaguarda de um país para Todos, somos culpados por falar de amor, de generosidade, de fraternidade, de igualdade e de transparência. Culpados por pedirmos mais humildade, liberdade para sermos diferentes, por pedirmos melhores professores, mais médicos e menos mortalidade infantil.
Culpados por querermos um salário mínimo que não seja de 13 mil Kz, por desejarmos que todas as mães que não têm escolaridade lhes seja explicado que a vacina do sarampo só é eficaz se o seu filho apanhar as três doses. Somos culpados por querer um país que ame todos os seus filhos, sem qualquer tipo de distinção.
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