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Então, Rumo ao FUTURO CERTO?

Não é assim que se alicerça a dignidade da pátria. A justiça social e uma redistribuição equitativa da riqueza, que promovem condições de vida decentes para todos os cidadãos, são tímidas nas "preocupações" centrais do Estado.

E sem resolvermos esta preocupação, a esperança encolhe na certeza de que a auto-estima do seu povo é posta em causa todos os dias. É que a pátria 'desacontece' a cada vez que a dignidade de um cidadão é desconstruída.

Está na Internet um vídeo, com grande qualidade técnica, de "sensibilização" para os jovens angolanos, da cantora Ary, cuja música nos diz que "Estamos perante uma tempestade" e "haverá muitos mais cortes", "habituamo-nos à abundância" e "nunca pensamos em contenções" "agora caímos na realidade" "é tempo de darmos as mãos, para os projectos andarem, e os jovens incentivarem". Todos temos consciência da gravidade da actual situação económica. Mas a pergunta que se coloca é: quem é que vive na Abundância e ficou habituado a ela? Abundância para a maioria dos jovens só se for pela negativa.

Porque esta abundância que nunca "pensou em contenções", apenas privilegia aqueles jovens que podem pagar bilhetes de combates de boxe milionários para tirar uma selfie com o Di Caprio "na área", comprar vestidos para casamentos principescos em Nova York, ter Porsche aos 18 anos como prenda de maioridade ou fingir que estudam em Londres numa desbunda sem fim. Mas estes jovens, os que fazem festas na ilha de Luanda, em Paris, Lisboa ou no Dubai e que sem vergonha entornam garrafas de champanhe de mil dólares pelo chão, estes sim estão habituados à abundância, porque os seus pais, que estão na esfera mais próxima de todas as facilidades, nunca impuseram limites e o dinheiro sempre se mostrou "inacabável".

São os mesmos jovens que conseguem pedir empréstimos para criar bancos, que são os representantes dos pais dirigentes em todos os conselhos de administração que beneficiam dos favores do Estado, os "meninos de ouro" que em todas as Avenidas da Liberdade deste mundo destrocam de forma obscena.

A Abundância pela positiva, daquela que dá felicidade, não é, nem nunca foi para todos. Os outros sempre tiveram abundância de falta de água, de escuridão em casas sem internet, de ausência de queijo, de vontade de ter ar condicionado e umas griffes. Vivem na abundância de todas as violações à sua liberdade, que acontecem em silêncio sem que a nossa querida Constituição os valha. Para estes, a crise não teve como culpado a queda do preço do petróleo, pois eles nunca conheceram outra condição de vida. São e sempre foram a expressão mais fiel e permanente da "contenção". Eles nasceram na crise, numa crise eterna que foi justificada durante anos pela guerra. Depois veio a paz. E aquilo que devia ter sido um "círculo virtuoso, tornou-se num círculo vicioso".

Com mais de dez gloriosos anos dourados onde foram desperdiçadas todas as oportunidades de elevar a condição de vida dos mais pobres, o que é que aconteceu? Os jovens pobres foram hipnotizados com os "Bués" e com as promessas, que nunca aconteceram, de que o programa de desenvolvimento para a juventude os ia incluir.

É necessária ajuda e união para enfrentar a crise? Mas que tipo de ajuda pode dar um povo que não sabe o que se passa porque tudo é confidencial Mas que tipo de ajuda pode dar uma população que nunca foi ouvida, que nunca foi convidada a participar quando o tempo foi de abundância. 60% da população angolana ainda vive com apenas 2 USD por dia, porque a capacidade do governo implementar medidas que permitam dirimir este grave problema social é demasiado lenta.

De facto, o que não falta a alguém que vive nestas condições é abundância de lágrimas, de pena pela incapacidade que, de facto, se poderia ter ido muito mais longe. No centro de todas as preocupações são as pessoas que contam e a participação destas pessoas deve ser também ao nível da tomada de decisões. Não é apenas quando a casa pega fogo. É por isso que o povo deixou de confiar. Desligou a ficha, não quer saber, tem maiores preocupações como comprar um balde de água, como comprar leite para o bebé, como pagar as propinas da escolas dos filhos, como pagar remédios para ter saúde, já que a alimentação é débil e intermitente. A maioria da população angolana foi adiada e só acontece de cinco em cinco anos. Em 2012, tempo de eleições "prometeram produzir mais para distribuir melhor".

Já nesta altura foi visível que, afinal, os pobres começavam a ficar indiferentes. O "melhor" identifica uma intenção de qualidade. Com esta promessa reconfirmaram que, afinal, não estavam a distribuir BEM, não era abrangente e não era justo. Não foi concretizada a promessa de "produzir mais", mas ainda assim o "distribuir melhor" podia ter acontecido.

Por essa razão, o Relatório de Desenvolvimento Humano de 2014, informa que o âmbito de "confiança no Governo nacional, que demonstra o grau de simpatia popular, não ultrapassa 23% dos cidadãos, repito apenas 23% da população sente confiança no Governo. Onde será que o resto das pessoas perderam o trilho do "rumo certo"? São pessoas ingratas? Que não reconhecem o valoroso esforço dos programas de combate à fome e à pobreza? Não foi por falta de alertas.

Várias foram as vozes que de forma competente, honesta, e consciente do seu dever patriótico foram chamando à atenção para o desvio do "rumo". Mas as vozes destes "meteorologistas" nunca foram levadas em conta. Porque se fossem, não estaríamos no meio desta "tempestade". Esta mensagem poderá não ser recebida de braços abertos por jovens que são excluídos por pensarem de forma diferente, por jovens que não podem estudar porque estão desempregados, por jovens que vivem sem futuro, porque o presente não tem qualquer utilidade. Jovens que equacionam quantas refeições podem fazer por dia podem não estar disponíveis para aceitar o convite para comer os restos da boda onde ninguém os incluiu como o futuro da nação.

Andam quilómetros a pé, vão de cadeira de rodas para a escola num caminho sem estrada ou com uma estrada sem capacidade para os incluir, tal como o país. Todos os anos milhares de filhos destes jovens morrem por causa da malária e da subnutrição. Uma FOME que não é de agora. É fome de antes, do tempo em que o petróleo ainda não tinha sido atingido por esta "conspiração internacional" que pretende tirar-nos do sério.

A tuberculose ataca sem piedade e no entanto desde 2009 que o orçamento da saúde tem vindo a descer. Como podem, os jovens, que sempre viveram no lado mais duro da vida, que não têm o mesmo conforto, a mesma comida, o mesmo acesso à saúde, a mesma aura de protecção institucional à nascença, que os que são ricos de todas as abundâncias, estarem eternamente disponíveis para mais uma ridícula campanha de marketing? Se houvesse vontade política de dialogar, o Estado devia dirigir-se aos cidadãos de forma solene e pedir primeiro desculpa pelo abuso com que tem sido tratado o erário público e só depois pedir o apoio e a compreensão dos cidadãos.

O problema é que de tanta desgraça, em Angola já não se vêem as pessoas pobres, vêem-se desgraçados, coitados a quem a vida não atingiu. Um infortúnio cuja culpa é do passado, do destino e da genética. Uma pedra nos sapatos de todos os planos que sucessivamente falham. Quão castradora é esta forma de comunicar? Quão anémica é a vontade de ser solidário? O silêncio dos pobres não pode continuar a ser ignorado.

As autoridades não nasceram para se lamentar. Existem para criar soluções, para impedir a anarquia, sobretudo a que é originada em sede própria. Temos que sair dos discursos urbanísticos e pouco esclarecedores de carácter político. Temos que ser capazes de alterar as práticas. A construção do país tem que exigir a humanização em todos os sentidos. O diálogo constante com a população deve constituir o maior mecanismo de aproximação e de participação comunitária. Vamos lá ter a coragem de dialogar sem mais nada que não seja o nosso Amor por Angola.

 

in http://agora.co.ao/Agora/Artigo/59045

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