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Afinal, somos ou não somos um país democrático?

A cobardia de qualquer governação instala-se quando quem tem poder para fazer bem prefere ignorar um povo inteiro, apenas por obediência ao brilho das suas penas, a cada elogio sem fundamento.

Quando se aplaude a prepotência, a incompetência e a mentira, enfraquecemos a democracia. Temos políticos fora de prazo que não perceberam, ainda, que o estado da nossa Democracia é deprimente. Temos um Estado musculado, sem diálogo e sem respeito pela opinião dos outros. Um Estado surdo, ineficaz e que está a perder a razão. As detenções sistemáticas são um absurdo.

Um povo que vota tem a obrigação de exigir que as promessas se cumpram. Tem o dever de fiscalizar quando a governação não o inclui. As manifestações de protesto que fazem referência a uma gestão danosa dos interesses da maioria da população (a exemplo de Cabinda) exigem espaço para serem ouvidas por parte de quem tem o mandato para nos representar. O Índice de Liberdade é um dos principais elementos a ter em conta quando avaliamos quão democrático é um país. Temos que ser capazes de garantir que os cidadãos olhem para a administração do Estado, em todas as suas formas, e se sintam parceiros e não inimigos, tendo em conta que o Estado somos todos nós. Em Democracia não podemos ser considerados perversos, más pessoas, apenas porque a nossa opinião é diferente, não converge.

De repente todo aquele que não concorda fica sem espaço, passa a meter medo, é classificado como "inimigo da Paz" e passa a fazer parte de um "programa de monitoria dos insubordinados". Urge reconsiderar o termo "agitadores sociais". Não somos delinquentes, mas não temos como aceitar alguns dirigentes (gastrocefalos porque pensam com o estômago) que exercem uma governação cujo ponto de partida e de chegada é o seu umbigo.

Temo que seja este o maior problema que existe, neste momento, em Angola. De um lado, os que acham que têm razão e que são enciclopédicos e do outro os que, mesmo em silêncio, não concordam, estão saturados, mas também têm ideias válidas. Em Democracia um dos elementos de maior estabilidade é o consenso que é sempre uma demonstração de inteligência. Sem consensos para as questões estruturantes estamos a dar passos significativos para a morte da conclusão da ponte da reconciliação nacional. Mas temos que ser capazes de chegar à outra margem. Porque é na outra margem deste rio, onde nadamos contra a injustiça social, que está a maioria do povo que vota. Não podemos continuar a aceitar uma governação telepática, instantânea, que se revê na certeza da materialização do plano, apenas porque foi aprovado por um 'grupo minoritário' que não tem mostrado grande sabedoria, nem qualquer pedacinho de humildade.

É necessário sair do reino do faz-de-conta. A cobardia de qualquer governação instala-se quando quem tem poder para fazer bem, prefere ignorar um povo inteiro, apenas por obediência ao brilho das suas penas, a cada elogio sem fundamento. Quando se aplaude a prepotência, a incompetência e a mentira enfraquecemos a democracia. Estamos no momento de parar o tempo e mudar de caminho. Precisamos, urgentemente, de interromper a História de Angola, congelando a sua atordoada contemporaneidade e sermos capazes de desafiar um novo modelo que permita o retorno à ideia de que temos que ser, no futuro, uma narrativa com lógica demonstrando que, a tempo, detectamos o erro e corrigimos a rota. As democracias emergentes africanas estão a tornar-se cáusticas e sem grandes perspectivas de conseguirem encontrar um caminho que permita dirimir os constrangimentos que se tornam geométricos a cada ano. Os políticos destas emergências assemelham-se a uma praga de gafanhotos que devora cerca de 80 mil toneladas de milho num só dia, produção esta que poderia alimentar 400 mil pessoas durante um ano. A 'Teoria do Gafanhoto' tem sido a responsável pela ineficácia das políticas sociais e de desenvolvimento e é por causa dela que o alcatrão da reconstrução Nacional está a ser engolido sem recurso a qualquer conspiração internacional.

Em alguma altura nos perdemos no projecto de um país que fosse aquele que os Velhos tinham sonhado de forma genuína. Fora das conivências com gente que não se interessa, verdadeiramente, por nós. Gente que apenas quer fazer parte de um negócio. Foi o que passamos a ser. Um excelente negócio, que não se reflecte em responsabilidade social, nem em salvaguarda de um propósito que nos integre e nos retire da pobreza. Estamos sozinhos, num país que se virou contra o seu povo, numa atitude de indiferença absoluta e inexplicável. Estamos em saldo e a ser vendidos a retalho de forma indigna. Os Velhos, que conservam intacta a honra, têm a obrigação de lamentar o momento em que se distraíram permitindo que o Estado fosse privatizado.

Quando o meu filho mais novo me perguntou o que era a Democracia, confesso que demorei algum tempo para responder. Precisava de ter a certeza de que não iria negar-lhe o crédito a uma cidadania responsável. É que hoje em seu nome cometem-se todas as maldades. Concordo com Fernando Pessoa, quando defendeu que "devia ser proibido, por lei, que a Democracia fosse exercida de forma ilegal". Democracia não é o poder das famílias mais próximas do centro da cadeia alimentar. Não é um poder praticado com arrogância e clientelismo. Não é a liberdade ameaçada, uma reiterada má distribuição da riqueza nacional, nem uma desigualdade oferecida á nascença a todos os cidadãos pobres. Não é preciso inventar uma Democracia para África como muitos defendem a pretexto das nossas "particularidades". Porque, com desonestidade, o que estão a defender é uma "democracia" à medida das suas conveniências, onde o erário público em vez de progresso social promove milionários instantâneos, onde as empresas públicas são geridas com agendas pessoais, onde o povo não participa na abundância e os culpados colarinhos brancos nunca são julgados.

África tem desta "democracia" em quantidade que baste! As democracias africanas do século XXI terão imensos desafios. Terão que ser capazes de se reinventar e inventar novos conceitos. Os paradigmas do século XX já não terão efeito neste novo tempo digital a transbordar de informação. As regras do jogo mudaram quando a Internet se impôs. Nunca mais os tempos de obscurantismo ganharão terreno neste planeta. Por mais poder que quem quer que seja acredite que tenha, a informação tornou-se um excelente aliado das boas práticas e dos melhores exemplos.

Ganham-se e perdem-se batalhas económicas, sociais e políticas nesta auscultação virtual que em determinados momentos se torna viral e condiciona pensadas intenções. O mundo passou a ter desígnios invisíveis, mais abrangentes e insubordinados. As pessoas conseguem perceber o verdadeiro caminho da manipulação comparando dados. Cada cidadão ganhou um poder individual que o projectou para um patamar de independência e de consciência que o obrigou a deixar de comprar gato por lebre. As seguranças internas ficaram enfraquecidas. As pessoas deixaram de acreditar que não têm poder. Já não somos desse tempo jurássico em que o Estado não sabia, constantemente, uma data de coisas. O tempo da internet de banda larga já não reconhece competência às ardósias da governação. Queremos Informação. Dados. Indicadores. Queremos conhecer a dimensão aritmética da Pobreza, da Criminalidade, do Desemprego, dos Recursos que o Estado diz estarem a salvo, da Dívida, da Problemática dos Esgotos Ausentes, da Segurança Alimentar, da Reconstrução Nacional, do Investimento Estrangeiro, da Protecção das Pessoas Vulneráveis, do Fundo Soberano, da Defesa, da Segurança, do HIV-Sida, do PRESILD e do PAPAGRO, da Energia, da Mortalidade Infantil e do Dinheiro que desaparece sem rasto. O mundo tornou-se mais exigente e deixou de admitir critérios que não se baseiem na justiça, na arte e na ética.

As teorias da conspiração já não servirão para justificar as incongruências. Será preciso ser consequente para conquistar o povo, porque neste tempo de mudança não chega apenas conquistar o voto. Têm que ser capazes de ganhar o afecto do povo e isso só se consegue quando se cumprem promessas e se melhora a condição de vida das pessoas. É por isso urgente moralizar a gestão pública e os objectivos estratégicos. Se calhar não era mal pensado fazermos uma quarentena. Com isto podíamos rastrear todos os sintomas de mal-estar e de ineficácia. De todo o lado nos chegam vozes que alertam. Da Academia ao Jornalismo, do Semba ao Rap, do Kuduro ao Graffiti, da Literatura ao Teatro, das conversas no Candongueiro às mesas de Talatona, a lamentação nacional ganha novos veículos de comunicação, novos aliados, num emaranhado de discussões que falam de velhos problemas que não se resolvem, sempre demonstrando a necessidade de fortalecer um diá- logo que seja prenhe de boa vontade e produza efeitos que a todos diga respeito, porque Angola é o Povo. É necessário desconstruir qualquer realidade que restrinja, que iniba, que amedronte. Sem Liberdade um país perde os cidadãos e ganha pessoas submissas que se identificam pela conformidade, dependência, resignação, subjugação e vassalagem.

As pessoas submissas não constroem países porque lhes falta a motivação. Mas tenho motivos para acreditar que uma nova geração de jovens esclarecidos e com um chip de negação à bajulação, está a crescer de forma autorizada por nós, que os protegemos, porque são os nossos filhos e para quem olhamos com orgulho na certeza de que os "filhos do poder popular" estão a ficar sem argumentos que sejam capazes de contrariar as evidências.

Temos mesmo que ser capazes de abrir um novo capítulo que permita reavaliar a gestão actual, desafiando novas ideias. Temos que reinstalar o programa democrático porque o povo deixou de ser uma prioridade. Passamos a ser, apenas, o intervalo do voto. Em Democracia o Soberano é o povo. Quando isto não acontece, somos obrigados a perguntar: Afinal, somos ou não somos um país democrático? 

in http://agora.co.ao/Agora/Artigo/58494

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